10.5.06

O planejamento não saiu de moda!

Recentemente, em conversa com o CEO de uma grande empresa brasileira, falávamos de planejamento, e ele teorizou: Temos a tendência atávica de só pensar na tranca depois da porta ter sido arrombada. Planejar não é o forte da nossa espécie. Há 5 mil anos, isso é verdade.

Olhando em volta, ou lendo os jornais do dia, tive a tentação de concordar com ele. Os problemas, que se juntam na crise semi-permanente que vivemos, no Brasil, parecem ­ na grande maioria ­ que poderiam ter sido evitados se tivesse havido mais previdência, mais previsão, ou seja, mais planejamento. A criminalidade incontida, as explosões urbanas e suas misérias concomitantes, o trânsito alucinado, os danos ao meio-ambiente, o endividamento nacional, a estrutura tributária, o congestionamento no judiciário, a resistente burocracia, o ineficiente sistema de representação eleitoral... a lista é longa e melancólica, beira o trágico.

Será essa, contudo, uma característica da espécie? Meu amigo empresário estaria comparando, mentalmente, talvez, a humana com outras espécies do mundo animal, como as abelhas e as formigas, notórias e notáveis pela capacidade que demonstram de organizar seus mundinhos de tal forma que tudo flui em harmonia. Sob esse enfoque radical, somos coletivamente caóticos.

Mas será que seremos, de fato, incapazes de prever e planejar? A pergunta, obviamente, não vale. Todas as nossas ações cotidianas são repletas de planejamento, a curto, médio e longo prazo. Andar, trabalhar, fazer compras, comer... Acho que se trata mais de se considerar o valor que as diferentes culturas atribuem ao planejamento e, sobretudo, à capacidade de agir com base no que se analisa e planeja.

Por que se planeja? Na origem do ato de planejar estava, certamente, o conhecido processo de tentativa-e-erro que, eventualmente, se transformou em tentativa-e-acerto e permitiu que as pessoas ­ como os animais ­pudessem escolher a priori a opção que resultasse em menor perigo ou em maior prazer. Podemos imaginar os danos e sofrimentos provocados pelos primeiros invernos rigorosos ­ nas zonas mais frias do planeta ­ aos primitivos grupamentos humanos. Até que se dessem conta de que deveriam tecer roupas mais espessas e estocar alimentos, durante o tempo de clima mais ameno, para enfrentar os rigores futuros. Assim nasceu a idéia do que a ciência econômica chama, hoje, de capital ­ que é a natureza convertida pelo trabalho e estocada. Isso não só criou o hábito de prever e planejar, mas também estimulou o desenvolvimento da tecnologia.

Quando os portugueses chegaram a essas terras e aqui tiveram seus primeiros contatos com os nossos ancestrais indígenas, foi simplesmente impossível explicar-lhes o que era trabalhar. Europeus, criados na tradição de prever para a sobreviver, só podiam contar com a ajuda dos nativos no que parecia ritual, dança ou festa. Viver era, em si, a atividade principal das sociedades tropicais primitivas. As necessidades básicas eram satisfeitas de forma quase imediata, num exercício de causa e efeito que demandava pouquíssima ou nenhuma ação de poupança para necessidades futuras. O longo período em que aqui se praticou a escravidão foi uma das conseqüências desse mal-entendido histórico.

Mas não se trata, aqui, de refazer o caminho das explicações das razões históricas das diferenças existentes, hoje, entre o mundo mais desenvolvido e o menos desenvolvido, simplificando-as como o mundo que planeja melhor e o que planeja pior, ou não planeja. Eu seria, no mínimo, acusado de neo-darwiniano, o que soa ainda pior do que neo-liberal.

O que se vislumbra, a partir dessas reflexões, é a constatação de que existe uma forte correlação entre a capacidade ­ e a possibilidade ­ de planejar e os resultados materiais e intelectuais de todas as atividades humanas.

Tem-se verificado, ultimamente, na literatura e no folclore sobre management em geral, uma certa desvalorização ou, ao menos, condescendência em relação às atividades ­ e aos profissionais ­ de planejamento em favor da criatividade. Trata-se, a meu ver, de um erro. O próprio ato de criar de forma significativa, mesmo na arte pura, evolve de um processo de planejamento.

Não há como separar as duas atividades. São co-dependentes. Se o planejar necessita de reflexão e análise, a criação não é um ato isolado, fruto de dom ou inspiração, apenas, mas a aplicação consciente de experiência e conhecimento à solução de problemas.


J. Roberto Whitaker Penteado .::. whitaker@grito.com.br

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