7.2.07

O briefing é filho único

Mesmo antes de entrar na Faculdade, talvez antes até de saber que o que você faria da vida você pode já deve ter se deparado com um briefing. Um tio gente boa que iria abrir uma padaria, uma vizinha amiga da sua mãe que tinha uma confecção maneira no puxadinho dos fundos ou um amigo do seu pai que resolveu criar uma marca para a mecânica dele.

Você era um(a) adolescente criativo(a) e um deles chegou com aquela conversa de que "já que você desenha tão bem podia criar um logotipo para mim, que tal?". Eu mesmo me lembro de ter desenhado uma marca para a Associação de Jogadores Profissionais de Xadrez aqui de Campinas, quando tinha lá meus 15 anos. Não ria não, porque meu tio é tri-campeão paulista de Xadrez e foi presidente dessa Associação!

Naqueles tempos eu já pensava em ser publicitário, designer, arquiteto ou qualquer coisa que envolvesse criação gráfica. Bem, quando ele me pediu o logotipo, ele tinha um projeto para a Associação e uma idéia do que queria na cabeça. Enquanto eu tomava mais uma lavada dele numa partida de Xadrez, ele foi me dizendo o que queria para que mais tarde eu pudesse desenhar algumas opções de marca. Esse foi o primeiro briefing da minha vida, e eu nem imaginava o quanto isso seria útil um dia.

O briefing é talvez o momento de maior interação entre o cliente e o criador. É importante que ambas as partes estejam na mesma frequência, focadas em um objetivo comum.

O briefing pode acontecer logo no primeiro contato com o cliente ou demorar várias reuniões para ser passado, o que importa é que ele seja completo - e ainda mais importante - seja filho único. Poucos briefings são claros, mas isso seria exigir muito do cliente. Geralmente o cliente expressa seus anseios com adjetivos genéricos e expressões de significado subjetivo, como "imagem imponente", "uma empresa do futuro", "bom relacionamento com os clientes" entre outras várias características. Nossa tarefa, como agentes de comunicação, é transmitir essa imagem que o empresário deseja criar através de símbolos, tipos e cores. Não é uma tarefa fácil, mas pode se tornar ainda mais complexa se:

- durante o briefing, você não fizer as peguntas certas, extraindo o sugo do cliente, fazendo com que ele diga tudo aquilo que quer que sua marca represente;
- o cliente não souber o que quer, achando que você pode criar uma marca ou identidade sem saber o que ela deve representar;
- a comunicação entre o cliente e você estiver sendo atrapalhada por qualquer motivo (aqui cabe um exemplo citado pelo mestre Alexandre Wollner: na reunião, o dono da empresa precisa dizer algo a você mas há alguém da empresa dele que não pode saber dessa informação por um motivo qualquer. Mais tarde ele dirá, num telefonema ou numa reunião às pressas, mudando o briefing inicial e naturalmente alterando a criação já em andamento.);
- um conceito qualquer (como "uma empresa do futuro") representar algo para você e outro algo para o seu cliente;
- ou o cliente passar um briefing diferente a cada contato, criando irmãos daquele inicial e atando um nó enorme na sua cabeça.

Também é comum o cliente se lembrar de detalhes durante o andamento do projeto e ligar para acrescentar mais informações, que podem contribuir de forma definitiva na criação ou acabarem sendo descartadas. Isto, no entanto, não chega a ser preocupante.

O briefing tem de ser filho único porque serve de leme na hora de direcionar a criação. Como todos sabemos, todo barco só tem um leme. E é aqui que nasce a grande dor de cabeça das agências, produtoras e escritórios: tem muito cliente querendo encher o barco de lemes, com cada irmão remando um deles.

Quando o próprio cliente não sabe o que quer, mas sabe que precisa de uma marca forte, de uma nova identidade ou mesmo de uma adaptação de material, pode ter certeza de que a dor de cabeça será forte. E com certeza, pode cobrar mais caro porque o trabalho será mais complexo que o usual, tendo de cuidar de vários irmãos, cada um remando seu barco para um lado.

O cliente mais complicado que existe é aquele que não consegue definir um briefing, mudando de idéia o tempo todo e modificando o trabalho de criação indefinidamente. Não que isso seja errado. Se houve um erro ou uma interpretação incorreta, é certo que deva ser corrigida, mas o cliente que muda de idéia depois de folhear uma revista e ver "uma logo" bonita é o tipo de cliente que - no mínimo - precisa ser muito bem orientado. Orientado quanto ao que é um trabalho de criação e o que um logotipo (logomarca não existe!) ou uma campanha representam. Ou seja, precisa saber como criar o filho que ficará sob a sua guarda.

Um briefing bem feito pode ser mais da metade do caminho andado, pois facilita o trabalho não só do design, mas do marketing, do atendimento e acredite, até da administração. Quando todos trabalham juntos, o barco segue firme numa direção.

Agora, se você quiser tentar, coloque vários moleques num barco e mande cada um remar numa direção. É ainda mais divertido se o barco não possuir leme!



Rafael Wally .::. put@grito.com.br

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